Por Giovanna Balogh
Tudo começou em um parto.
Não podia ser diferente. A história da Casa Moara tinha que ter seu pontapé inicial em um parto.
No dia 30 de março de 2003, o obstetra Jorge Kuhn chamou a recém saída da residência médica Andrea Campos para auxiliá-lo em um parto, mas não era qualquer nascimento.
O menino Pedro estava pélvico. A mãe Débora havia conhecido Kuhn poucos dias antes ao tentar uma VCE (Versão Cefálica Externa), na tentativa de virar o bebê. Pedro não virou e veio ao mundo de bumbum em uma maternidade de São Paulo. Foi nesse nascimento que os laços entre Andrea e Kuhn se estreitaram ainda mais.
Andrea conta que conhecia Kuhn desde a faculdade quando ela, ainda estudante, o chamou para dar uma palestra sobre cardiotocografia. Naquela época Kuhn já levava a fama de ser ‘vaginalista’ pelo fato de priorizar os partos normais e não fazer cesáreas desnecessárias – conta Andrea.
Decidiu então fazer obstetrícia, por ter se encantado pela fisiologia do parto, e ali encontrou um parceria profissional para toda a vida. Em seguida, Andrea fez uma residência médica com Kuhn no Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros. Na época, a residência mais concorrida do SUS (Sistema Único de Saúde) justamente por ensinar a Medicina Baseada em Evidências, as boas práticas recomendadas na assistência ao parto e o respeito ao protagonismo da mulher.
Kuhn, atuando na área de Obstetrícia do Hospital Geral de Pedreira, a convidou para ser plantonista em 2002. Foi uma grande oportunidade pois era um dos poucos hospitais públicos onde seguiam as recomendações para a assistência ao parto baseada em evidências. Lá conheci também a Mema, casada com o Jorge Kuhn, que era médica ginecologista e obstetra e diariamente visitava a maternidade – lembra Andrea.
Foi quando outro parto cruzou o destino.
A partir daí Kuhn, Mema e Andrea passaram a trabalhar em parceria. De 2004 a 2007 acompanharam praticamente todos os partos juntos. Andrea, até então, ia à casa da parturiente somente para avaliar e acompanhá-la até a maternidade.
Em 2007 porém, Andrea acompanhou seu primeiro parto com o auxílio da obstetriz Márcia Koiffman. A partir dessa ótima experiência o acompanhamento em parceria com a obstetriz virou regra e passamos a ter um segundo médico no trabalho de parto só em caso de necessidade – conta Andrea.
Márcia recorda que o mundo do parto humanizado naquela época era algo muito limitado, poucos profissionais atendiam com essa abordagem. Fomos estreitando as parcerias, atendendo vários partos juntos, e o Jorge cedia alguns horários na sala que ele alugava como consultório para a Andrea e eu. Até que fomos vendo a necessidade de ter um espaço próprio – conta Márcia.
Ainda em 2007 o quarteto passou a procurar um lugar que pudesse abrigar sua clínica. A princípio pensamos em fundar uma casa de parto, mas desistimos. Eram muitas exigências a serem atendidas que inviabilizavam a ideia – comenta Kuhn, que constantemente é questionado se a Casa Moara é uma casa de parto.
Nunca nasceu um bebê aqui, mas quase! Uma vez a gestante entrou em trabalho de parto com 37 semanas, bebê pélvico e chegou para a consulta rotineira com 8 centímetros de dilatação. Fui no carro com eles e ela chegou parindo na maternidade. Esse foi o único bebê que quase nasceu acidentalmente na Casa Moara – recorda Kuhn.
Foram muitos imóveis visitados até acharem a casa na Rua Guararapes, 634, no Brooklin – São Paulo. Não poderiam escolher qualquer espaço, afinal a ideia sempre foi ter uma equipe multidisciplinar e oferecer encontros e atividades para gestantes, puérperas e seus bebês.
Márcia, que mora no Brooklin, foi quem encontrou a casa que seria comprada pelos quatro sócios (Mema, Andrea, Márcia e Kuhn).
Reformamos tudo e fizemos quatro consultórios, um para cada sócio. E ainda uma quinta sala para os atendimentos de profissionais que alugariam o espaço – recorda Mema. Foram meses de obra até transformar o imóvel no que hoje é a Casa Moara.
Fachada da Casa Moara na Rua Guararapes, 634, antes e depois da reforma.
A escolha do nome.
Muitos nomes foram pensados pelos quatro sócios, mas nenhum os deixava plenamente satisfeitos. Na época eu fazia o curso de Antroposofia e ouvi um termo que em tupi-guarani significa ‘ajudar a nascer’: Moara! Se encaixou perfeitamente! A decisão em usá-lo foi unânime e em 2010 nasceu a Casa Moara – conta Andrea.
Logo no início foi criado o primeiro Encontro de Gestantes, com a ideia de oferecer informação gratuita sobre parto e pós-parto de forma universal para todas, inclusive usuárias do SUS (Sistema Único de Saúde) e pessoas atendidas por outros profissionais de fora da Moara. Esses grupos foram nosso carro-chefe, pois acabamos virando referência em parto humanizado e isso trouxe pacientes para o nosso espaço – recorda Mema que, como mãe de três, foi aos poucos deixando de acompanhar partos e se dedicando mais ao consultório ginecológico.
Os Encontros de Gestantes que haviam se tornado referência para quem buscava informações sobre parto humanizado foram inspirados no Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), da parteira Ana Cristina Duarte.
Em seguida, além dos encontros vieram os cursos voltados para preparação das gestantes e de seus acompanhantes para o parto e puerpério. Kuhn recorda que em 2013 chegaram a ter uma única turma de formação de doulas que contou até com aulas práticas em uma maternidade. Depois, o foco foi agregar mais profissionais para oferecer cursos para pais, futuros pais e demais cuidadores.
A chegada dos novos sócios.
Com muitos pacientes e partos, Márcia precisava de um fôlego e optou por dividir parte da sua sociedade com outras duas obstetrizes: Natália Rea e Priscila Raspantini, que em 2015 se tornaram sócias da Moara.
Natália recorda que em 2006, quando ainda era doula, atendeu seu primeiro parto com Andrea. O nascimento da minha filha foi cheio de intervenções e foi após o nascimento dela, em 2005, que fui estudar sobre parto e me tornei doula. Nessa época, só o Jorge e a Andrea atendiam parto humanizado em São Paulo e acompanhei muitos partos com eles – diz Natália, que depois foi estudar obstetrícia na USP Leste. Confesso que acompanhar esses profissionais foi fundamental para minha formação como obstetriz, assim como a universidade – recorda.
Priscila conta que em 2014 começou a atender alguns partos com os profissionais da Casa Moara, e foi a partir daí que suas relações foram estreitando. Costumo brincar que ‘deu match’ na nossa forma de trabalhar e atender as mulheres. Quando aconteceu o convite para entrar como sócia, foi muito emocionante e me senti honrada de fazer parte desta equipe com tantos profissionais que eu admirava antes até de me formar – comenta Priscila.
Em 2015, Andrea Campos também buscava o apoio de outra obstetra para que pudesse reduzir um pouco o seu ritmo. Foi então que chegou sua xará, Andrea Carreiro, integrando essa equipe potente de sócios e profissionais.
Andrea Carreiro, que é mãe de três, conta que sempre trabalhou com a Medicina Baseada em Evidências, mas que foi somente após o parto das filhas que passou a ter um olhar diferenciado e ainda mais humano para o atendimento que oferecia. Tive meu primeiro parto vaginal com anestesia e a segunda nasceu de cesárea. Estava pélvica e eu não sabia que podia ajudá-la a virar. Após esse segundo parto senti um vazio muito grande e precisei buscar ajuda para entender tudo o que acontecia comigo – comenta.
Andrea Carreiro conta que foi preciso uma imersão, e que após realizar uma técnica de renascimento se sentiu acometida por uma grande sensação de abandono. Depois, ao conversar com minha mãe e contar o que me aconteceu, ela encheu os olhos de lágrimas e me disse que após o meu nascimento ela ficou 24h sem me ver. Foi então que percebi que o parto fica registrado e molda as decisões futuras da pessoa que está nascendo – diz.
A partir de então, Andrea buscou mais informação e passou a ter mais empatia e compreensão pelas mulheres que atende. Pude ajustar e me alinhar com os profissionais da humanização. Então, passei a atender partos com a Andrea Campos e o Kuhn e, após um ano de parceria, veio o convite para me tornar sócia e não pensei duas vezes” – conta Andrea Carreiro, que completa dizendo: na Casa Moara foi possível entender e permitir que a mulher seja a protagonista do seu parto.
A Casa Moara continua sendo um lugar onde as pessoas entendem o nascimento como um evento familiar emocionante e transformador. Um espaço para troca de experiências e vivências, que ajuda as famílias a nascer e renascer todos os dias.
Nossa equipe multidisciplinar permite o acompanhamento desde antes da concepção até a vida adulta, com profissionais de diversas especialidades: obstetras, parteiras, nutricionistas, psicólogos, ortopedista, osteopata, pediatras, médico de família, entre outros.
Os cursos também são os diferenciais, preparando as gestantes e seus acompanhantes para o parto, pós-parto e criação respeitosa.
A Moara completou 10 anos em 2020 e continua sendo uma referência para quem busca um parto humanizado e acolhimento para toda a família. Apesar dos desafios deste ano, renovamos nossos atendimentos, cursos e atividades virtuais para garantir a segurança de todas as pacientes e seus familiares.