Por Daniele Moraes
Formada parteira em 2011, Natalia trabalha com os principais nomes do parto humanizado no Brasil.
“Meu caminho pessoal e profissional é estar ao lado das mulheres contribuindo para que o começo desse vínculo seja preservado e respeitado da melhor maneira possível.”
Até Natalia chegar ao mundo dos partos, formou-se em Artes Plásticas, na Universidade de Belas Artes (SP) e cursou 2 anos de Ciências Sociais da USP. Deu aulas e trabalhou nos Museu de Arte Moderna de São Paulo, MASP, SESC Pompéia, Bienal e no Instituto Tomie Ohtake. Sua função era desenvolver montagens e monitoria de exposições, criar atividades educacionais para crianças e jovens, formar professores e trabalhar como intérprete de inglês, francês e espanhol.
O sonho de criança
Apesar do êxito profissional, muitas vezes ela se perguntava sobre sua verdadeira vocação. De uma coisa, no entanto, Natalia sempre teve certeza: queria ser mãe. “Tinha a maior dúvida do que queria trabalhar, mas ser mãe eu sempre quis, desde pequenininha”.
O desejo veio acompanhando de um desafio. Por conta de uma endometriose, teve dificuldade para engravidar. Após dois anos de tentativas, uma cirurgia e tratamentos de fertilidade, chegaria Helena. Com ela, toda a força arrebatadora da maternidade, quando tudo que está por baixo dos tapetes parece se revirar e não querer mais se esconder.
Ainda distante dos conhecimentos sobre o parto humanizado e em um momento em que pouco se falava sobre o assunto na mídia, foi acompanhada por um obstetra, colegas de seus pais. Natalia pensava que ter um parto normal era “normal”. “Em 2005, não se sabia tanto sobre a vergonhosa taxa de cesáreas no Brasil. Por sorte, esse médico considera o parto normal melhor para mãe e bebê”, lembra. “Porém, era o parto normal ‘tradicional’, como fui entender mais tarde, com muitas intervenções e sem colocar a mulher como protagonista do processo”.
O conhecimento veio aos poucos, introduzido por outro médico. A pedido da mãe de Natalia, o pediatra Carlos Eduardo Corrêa, o Cacá, foi quem recebeu Helena e a apoiou nas primeiras vivências da maternidade. “Ela nasceu e veio direto para o meu colo e ninguém a tirou de lá pelos 3 dias em que fiquei no hospital”, conta.
Foi Cacá quem lhe falou pela primeira vez do trabalho das doulas. “Comecei a ouvir histórias de parto, a entender como poderia ter sido minha experiência. Tive a percepção de como o parto é incrível, transformador, como ele pode trazer poder e segurança para mulher. Mas também pode trazer sentimentos inversos. E isso ficou na minha cabeça”.
Trabalho de apoio à amamentação
A atuação da mãe de Natalia (Marina Rea), grande especialista em amamentação do País, fundadora da IBFAN (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar) e que atuou como técnica em aleitamento materno da Organização Mundial da Saúde por dois anos, acabou aproximando-a de um grupo de jovens que estava formando uma ONG Internacional com foco em amamentação. Logo de cara ela disse: “quero trabalhar com vocês, mas gostaria muito de falar de parto, parto humanizado, parto respeitado. Até por não conseguir enxergar parto e amamentação como assuntos separados e, sim, um contínuo de cuidado”.
A ruptura e o novo caminho
Na volta ao trabalho, depois da vivência intensa da maternidade, tudo parecia fora do lugar. “Senti um chamado muito forte para ajudar as mulheres nesse processo. Muitas grávidas não têm ideia do que está para acontecer. É uma transformação muito grande e dentro da nossa sociedade as mulheres estão muito isoladas e sem apoio”, afirma.
Dizem que o universo conspira em nosso favor e, naquele momento, ele fez sua parte. Com viagem marcada para a Europa com a mãe, Natalia descobriu que aconteceria em Lisboa um curso de formação de doulas da DONNA Internacional – primeira organização mundial de doulas. Era tudo que ela queria. Em poucos dias, embarcou com a mãe e a pequena Helena para uma semana em Genebra, acompanhando a Assembleia Mundial da Saúde (OMS), e em seguida Portugal, onde fez o curso.
Bem-vinda ao parto humanizado
As primeiras páginas de sua história dentro do movimento de humanização do parto não poderiam ter sido escritas com melhores personagens. “Nós ficamos no mesmo hotel do Michel Odent, da Naolí Vinaver, da Robbie Davis Flyod, do Ricardo e Zeza Jones, que são as maiores referências em parto humanizado. Tomava café da manhã com eles”. No dia em que foi para o curso, sentou-se no ônibus ao lado de Michel Odent (médico obstetra francês, conhecido como papa da humanização), “que eu nem sabia direito quem era”, e disse: “quero ser doula”. Ele questionou: “você já é mãe?”. Ela mostrou Helena e, então, ouviu como resposta: “você já está num ótimo caminho!”.
De volta ao Brasil, a vida já tinha outro rumo. Fez o curso de formação de doula do Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa). “Durante o curso do Gama fui para o meu primeiro parto (com a obstetra Andrea Campos) e achei lindo”. Naquele momento, conciliava a atuação nos partos com o trabalho nos museus. Entretanto, a vontade de atuar como parteira veio logo e, após seis meses, largou a profissão e se matriculou em um cursinho. Estava decidida a prestar vestibular para a faculdade de Obstetrícia.
Em 2007, iniciou a graduação na Universidade de São Paulo. Passou a acompanhar partos como doula e dar aulas de yoga para gestantes. Estagiou no centro de parto normal na maternidade Leonor Mendes de Barros, onde acompanhou partos ao lado da professora Ruth Osava, com quem aprendeu muito.
Logo que iniciou o trabalho junto a IBFAN, passou também a dar suporte técnico para a produção de vídeos (veja a relação de filmes abaixo). Desde então, participou de diversos projetos, inclusive para o Ministério da Saúde. “Quase todos os anos aparece algum vídeo para fazermos. A maioria de amamentação, mas em alguns consegui juntar o tema de parto”, relata.
A coisa mais importante da vida
A dedicação intensa ao trabalho, imposta pela vida de parteira e, especialmente, as noites em claro são os desafios da profissão. Contudo, a perspectiva de mudanças na concepção do atendimento ao parto, que passa pela transformação do modelo atual, com a formação de equipes de parteiras, alenta a possibilidade de uma vida mais planejada e tranquila.
A filha Helena, a família e os amigos
A prioridade para ela é um bom tempo de convívio e proximidade com a filha, que hoje tem 9 anos. As duas costumam passar quase todas as manhãs juntas e gostam muito de viajar. Outra paixão são os amigos. Os mesmos desde o tempo do Colégio Equipe.
Em janeiro de 2014, viveu “uma das maiores emoções da vida”, ao acompanhar o parto natural hospitalar da irmã, que já havia passado por duas cesarianas, quando Natalia nem imaginava que trabalharia com parto. “Esse bebe é quase um filhinho para mim. Foi a coisa mais linda quando ele nasceu”, diz, emocionada.
Planos para os próximos anos
“O que vislumbro para os próximos dez anos é que o Brasil avance nas questões de parto humanizado, diminuindo as taxas de cesáreas e de violência obstétrica. Que o modelo de trabalho em equipe (parteiras e obstetras) da Casa Moara se torne cada vez mais uma referência e que a gente colabore na elaboração de evidências científicas que norteiem as práticas relacionadas ao parto”, afirma.
Formada parteira em 2011, Natalia trabalha com os principais nomes do parto humanizado no Brasil. Segue com a convicção de que “cada mulher é um universo e deve ser apoiada na sua vida sexual e reprodutiva de maneira artesanal. Cada parto e nascimento são únicos e insubstituíveis para aquela família. Meu caminho pessoal e profissional é estar ao lado das mulheres contribuindo para que o começo desse vínculo seja preservado e respeitado da melhor maneira possível.”
Desde abril de 2015, passou a integrar o quadro de sócios da Casa Moara, onde atua em parceria com os médicos obstetras Jorge Kuhn, Esmerinda Cavalcante e Andrea Campos, nos atendimentos aos partos hospitalares, e com as enfermeiras obstétricas Marcia Koiffman e Priscila Raspantini, nos partos domiciliares.